Minha infância, minha vida, meus amores e dores; minhas idéias e meus ideais; idéias alheias, conversação entre sorrisos e lágrimas, tudo contado de uma maneira gostosa e com uma pitada de bom humor por uma pessoa FELIZ!

terça-feira, 27 de abril de 2010

Simplesmente MARIA!




Ela casou muito cedo e não tinha muito conhecimento de vida. Nunca freqüentou, enquanto criança, nenhuma escola. Seu mundo se resumia a brincadeiras infantis e o carinho de seu pai. Perdeu a mãe muito precoce e foi criada com os irmãos e empregados, por isso não conheceu as prendas domésticas.

Mas, no seu tempo, moça casava cedo e passava a pertencer à família do marido. Foi aí que seu mundo infantil e fantasioso, de uma hora para outra se transformou numa realidade que ela nunca imaginou.

Como sua sogra a queria uma excelente dona de casa, ensinou-a da pior maneira possível. Ela sofreu muitas humilhações e com o tempo acostumou com o sofrimento. Mas, aprendeu e muito bem.

Vieram os filhos. Primeiro uma menina que muito mais tarde, seria seu alicerce. Depois dois meninos, outra menina e anos mais tarde, o chamado “raspa de tacho”. Cinco filhos, cinco crianças sob sua responsabilidade. Seu nome? MARIA, simplesmente Maria.


Minha mãe é a segunda da esquerda para a direita e minha avó é a última à direita

O marido? Meu avô era um homem bom. Bem mais velho do que ela, muito trabalhador, sem instrução alguma como ela, mas era alcoólatra. Se alcoolismo é uma doença, essa família se tornou crônica.

Quando a filha mais velha tinha 12 anos, freqüentado apenas as duas primeiras séries, e o mais novo ainda era de colo, eles resolveram buscar vida nova. A pé, fizeram em um mês, o “caminho para o futuro”.

Na cidade nova, não foi difícil os dois arrumarem emprego. Ele como jardineiro e ela como faxineira numa grande indústria. As responsabilidades pela casa eram enormes e foi necessário que sua primogênita largasse os tão sonhados estudos e também fosse trabalhar numa casa de família como babá.



















 
Com o uniforme da indústria em que trabalhou como faxieira

Minha avó sempre foi muito adiante do seu tempo. Era analfabeta, mas tinha conhecimento de vida, adquiridos com muito sofrimento.

Perdeu o seu caçula com cinco anos de idade para a meningite. E a vida continuou. Eu era muito pequena e lembro muito bem do seu esforço para aprender a ler. Precisava. O mundo já exigia.

Lembro também, dela chegando a nossa casa pelo menos duas vezes por semana, quando minha mãe ficava sem empregada para lavar nossas roupas. Chegava logo após o almoço e antes das 3h da tarde já estava com tudo pronto. Saía às pressas, pois precisava bater o ponto exatamente às 4h.

Limpava os escritórios da Engenharia Civil e nos contava muitas histórias dos grandes projetos da empresa que ela devia ouvir por lá. Era um emprego bom e com o dinheiro ela podia cuidar das despesas da casa.




















Minha mãe com minha avó na varanda da minha casa

O que meu avô ganhava? Ia tudo para o vício. A vida parece ser cruel com algumas pessoas. Ela não pensava assim, porque nunca reclamou. Seu pai que ainda morava na sua antiga cidade, teve um AVC e ficou paraplégico. Não havia quem o cuidasse. Sobrou para ela. Resultado: teve que abandonar o emprego para se dedicar inteiramente a ele.

Isso não era tudo. Sua segunda filha já havia sofrido uma grande desilusão no casamento feito aos 15 anos e voltara grávida para casa. E logo que a criança nasceu esta minha tia, caiu também no álcool.

Com toda a sua força de espírito forte, minha avó, começou a fazer salgadinhos, doces, sonhos e outras guloseimas e saía, com sol ou chuva, vender de porta em porta.
Seus filhos homens? O mais velho casou e morava no mesmo quintal. Esqueci de contar que ela já havia comprado um terreno enorme, construído sua casa, uma para seu filho mais velho e mais três para alugar.

Pois é, ela sabia “se virar”. Seu segundo filho homem, além da vida boêmia, era depressivo por um amor perdido e acabou cometendo o suicídio antes dos 30 anos. Quando depois de quatro anos de luta com seu pai, meu bisavô, acabaram e ela podia respirar um pouco melhor, não se passou um ano para que tudo se repetisse, agora com meu avô. E lá se foram mais quase quatro anos de luta com uma pessoa dependente em casa.

Parecia resignada, mas não com tudo. Lembro que fui eu a levá-la ao cardiologista onde descobrimos que tinha um problema grave no coração. Era nova ainda e isso não a abalou. Trabalhava e continuava a sua vida procurando sempre o crescimento. Criou seu neto, de sua filha mais nova, com muito carinho.

Quando ficou viúva a vida não parou. Procurou muitos recursos de tratamento para a filha e nada adiantava. Por um tempo achamos que ela havia cansado. Foi quando casou novamente. Ela sempre dizia que, estes foram os melhores anos de sua vida.

Minha tia casou também e teve outros filhos, que não chegavam a sobreviver por muito tempo após o parto, em conseqüência do vício. Mas como existem coisas inexplicáveis, uma de minhas primas que nasceu de 6 meses e 950g, sobreviveu. Depois de ficar mais de 3 meses na UTI e pegar muitas infecções, saiu do hospital pesando menos de 2 kg e hoje, graças a Deus, é uma excelente dona de casa, trabalhadora, saudável, sem vícios e mãe de quatro filhos maravilhosos.















 
Última foto que tiramos juntas

Minha avó ficou viúva novamente e foi morar com minha mãe. E lá enterrou seu segundo filho, vítima de problemas cardíacos, depois a filha mais nova, levada por um AVC fulminante, e seu neto, que morreu atropelado.

Muito ativa e cheia de vida, “faceira”, muito vaidosa, caprichosa consigo mesma, tinha muito orgulho de sua saúde, de minha mãe, única filha que lhe restou, dos netos e bisnetos. Só reclamava das alergias, com as quais sofria muito. Cuidava sozinha de seu cantinho, sempre bem arrumado, de sua higiene pessoal e de sua alimentação.


No último ano já estava "caduquinha" e ficou muito tristonha e deprimida por não se lembrar mais de muitas coisas. Seu coração não suportou e ela nos deixou há um ano com mais de 87 anos, muitas saudades e ensinamentos de vida.


Onde quer que a senhora esteja, obrigada por ter existido, ter feito parte da minha vida sendo minha avó e ter ajudado na minha formação como pessoa.


Bjs no coração!


Nilce

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